Vida De Mulher

Para contar histórias das vidas de mulheres, ninguém melhor que uma mulher. Assim é por aqui.

Esta barriga é minha!

- Hoje quero falar desta questão toda do aborto.
- Ai quer? Então, diga lá.
- Chateia-me a falta de equilíbrio nisto tudo.
- Como assim?
- Eu nunca fiz um aborto e, como sabe, sou mãe.
-Pois...
- E não gosto dessas atitudes, supostamente feministas de escrever "esta barriga é minha", na própria "bolsa" que carrega um feto. Não gosto, pronto! A barriga é nossa, mas o ser que está lá dentro vai crescer e é um ser humano diferente de nós, não importa a partir de quando. Se bate o coração, se já se lhe vêm as pernas, os braços ou o rosto. É um feto!
- E então?
- Então, precisamente por isso, porque sou a favor da vida, sou a favor da despenalização do aborto, ainda que eu nunca tenha feito, nem tenciono fazer nenhum!
- Hum... e isso não é contraditório?
- Não. Para lutar pela vida, nós precisamos de números oficiais, saber quem é que faz abortos, onde e, sobretudo, o porquê. Um "descuido", uma gravidez não desejada, sei lá. Mas, agora, se vamos despenalizar, é preciso fazer o acompanhamento legal de uma mulher que repita um aborto. Porque é que repete? O que aconteceu? É preciso também acompanhamento psicológico, legal e de saúde. É preciso que os miúdos comecem cedo a saber o que é a contracepção. É preciso que usem o preservativo! Não queremos gravidezes não desejadas? Então, é preciso acompanhamento logo desde tenra idade, nas crianças e nos jovens. Acompanhar, ensinar sobre a sexualidade sadia.
- Explicou isso ao seu filho?
- Falámos sobre isso e ele disse que gostava de falar com um psicólogo, porque "com a mãe não se fala dessas coisas".
- E levou-o ao psicólogo?
- Claro. E ele adorou. Fez duas sessões, tirou as dúvidas que tinha e acho que ele até ficou melhor no relacionamento connosco lá em casa.
- E acha que todas as pessoas têm hipótese de pagar a um psicólogo?
- Então, eu investiguei e há consultas gratuitas de planeamento familiar. Caramba! É só termos essa consciência!
- Então e era sobre isso que queria falar hoje?
- Era. Sabe que tenho colegas e amigas que já fizeram abortos. Uma delas fez sete, dentro do casamento; outra fez quinze! Também dentro do casamento! Acredita nisto? Fiquei parva!!
- ... também estou meia aparavalhada, confesso!!!
- Então e estas mulheres não precisava de acompanhamento? Não precisavam?
- Precisavam.

maquiavélica

Isabel era uma mulher desconfiada.
Memórias de infância, inseguranças, tornaram-na uma pessoa defensiva, sempre à espera de um eventual "ataque"; então com os homens, era completamente maquiavélica. Apaixonada, romântica, bastava uma pequena atitude por parte do parceiro, para a desconfiança crescer desmesuradamente.
Não sabendo com o que contar, Isabel vigiava o parceiro cuidadosamente, pormenorizadamente.
Nem sequer sabia o que procurar, o que investigar.
Mas contava-lhe tudo. Se desconfiava, questionava-o sobre a questão. Acabava por perder a dose de maquiavelismo, em troca de uma última esperança de confiança. E a resposta de Vítor era habitualmente lógica, bem fundamentada. Não havia razões para desconfiar.

Pior Isabel se sentia. E ela dizia a Vítor:
- Desculpa. A desconfiança é minha. Sou eu que tenho de lidar com ela, com o desconforto, com a angústia e ansiedade da suspeita.
Vítor desculpava sempre. Quem sabe... até um dia.