Vida De Mulher

Para contar histórias das vidas de mulheres, ninguém melhor que uma mulher. Assim é por aqui.

Férias intermináveis

Mulheres!!!
Diriam muitos homens.

Que raio! É que não me tem apetecido escrever!

Ando intempestiva, brusca, barulhenta por dentro e até as conversas entre mulheres que lá vou ouvindo se esfumaçam.
E agora? Se se me acaba a inspiração, se não se me ocorre nada, na ponta dos dedos para escrever, como continuo a contar estas histórias de vidas que oiço, que sinto, que me contam?
Raios!!!

Isso é da SPM!
Diriam muitos homens.

O cachorrinho

A Cat namorava com o Hugo. Ninguém gostava muito do Hugo e a Cat não percebia porquê. Ele era meigo, ternurento, falava baixo, tinha uma postura quase de cachorrinho atormentado.

Mas um dia, aquilo entre a Cat e o Hugo acabou.
A Cat diz que lhe deu um "vipe" e que acabou com ele.
Dizia a Cat:
- Eu sempre disse à minha mãe que, se quiseres saber como uma pessoa realmente é, basta fazê-la zangar. E eu fiz zangar o Hugo.

Durante semanas, o Hugo fez com que a Cat achasse que acabar com ele tinha sido uma atitude impensada; ele chegou a encontrar-se com ela, depois de tudo acabado, só para lhe perguntar se estava arrependida. E ela disse-lhe que sim, que estava muito arrependida.

A verdade foi muito diferente do que aparentava ser.
Durante mais semanas, a Cat chorou o fim daquela relação, chorou no colo dele, enquanto ele lhe dizia:
- Sabes bem como sou teu amigo. Chora à vontade. Mas sou só teu amigo, nada mais!
E a Cat continuava a chorar, desconsoladamente.
Foram mesmo semanas em que a Cat chorava, tinha crises nervosas, andava com umas olheiras até ao queixo.
Até que... um dia, a Cat veio ter comigo. Parecia outra. Mais leve, ligeira, segura de si.

- Percebi tudo. - disse-me. - Este homem é um manipulador! Aproveitando o meu estado emocional confuso, veio ter comigo para que eu admitisse que estava rrependida de ter terminado o relacionamento.
- E estás, Cat?
- Arrependida? Não! Claro que não. Não soube explicar-lhe que o meu arrependimento tem a ver com a maneira brusca como fiz as coisas. Terminar, sim. Podia era ter sido de outra maneira. Levou-me a tocar nas minhas partes mais obscuras, nas minhas inseguranças. Chorei no colo dele, enquanto ele me garantia que já não sentia nada por mim!
- E tu vês isso agora? Claramente?
- Vejo. Vejo isso e muito mais. Vejo como o final do nosso relacionamento o afectou mais a ele do que a mim, como me deixei manipular por um ar de "cachorrinho abandonado", vejo como esse ar é passivo e cruel, vejo tudo. Vejo como tentou minimizar-me, vejo tudo! E sabes como percebi isto?
- Conta-me que eu quero saber!
- Fui a casa da minha mãe. Fechei-me no escritório e estive horas a ver fotografias da minha infância, da minha adolescência. Falei horas ao telefone com amigos meus, daqueles que me acompanham há anos. Lembrei-me de quem sou, de como sou - já me tinha esquecido. Nem me reconhecia! Fui mesmo ao fundo!
- Até pode ser que tenhas ido, mas tu sempre foste uma sobrevivente.
- Precisamente. Era disso que não me lembrava! Fui ao fundo, pensei que me afogava. Assim que toquei com os pés na lama, empurrei-me para cima, até chegar à tona. Inspirei fundo, todo o ar, o sol, a vida. Ah!! Esta agora, sou eu!!
- E não eras tu que dizias que não sabias nadar bem?
- Era. Mas nado. O Hugo nunca me conheceu! Por isso, nunca me amou!
- E tu, amaste-o?
Ela riu-se, com ar maroto.
- Não, tive uma panca por ele. Mas ele era péssimo na cama! - e continuava a rir.

A Cat saíu dali altiva, senhora de si.
Afinal, sabia nadar, dizia ela!

Amargura

A Guida está na casa dos quarenta. Lá no trabalho, é super eficiente.
Solteira, muitas vezes vestida de preto. Tem muitas flutuações de humor, zanga-se com facilidade com coisas pequenas, é amarga. Responde torto e, quando zangada, discute até ficar encarnada.

Consta que, há uns anos, Guida esteve perdida de amores; um amor platónico, um amor por um homem que nunca foi namorado dela, nunca teve nada com ela.
Um dia, ele morreu.
A Guida fez luto, como se aquele homem fosse marido, companheiro, namorado. Ele simplesmente existia, não lhe era nada, não sentia nada por ela.

Os homens mais brejeiros, colegas de trabalho, dizem que ela tem "mau feitio" por ser uma das tais mulheres "mal fodidas" (este é o termo que usam).
Prefiro pensar - e sei - que isso vai muito mais além de ser ou não mal fodida. Uma mulher mal amada, sim. Sobretudo, mal amada por ela própria.

Esta barriga é minha!

- Hoje quero falar desta questão toda do aborto.
- Ai quer? Então, diga lá.
- Chateia-me a falta de equilíbrio nisto tudo.
- Como assim?
- Eu nunca fiz um aborto e, como sabe, sou mãe.
-Pois...
- E não gosto dessas atitudes, supostamente feministas de escrever "esta barriga é minha", na própria "bolsa" que carrega um feto. Não gosto, pronto! A barriga é nossa, mas o ser que está lá dentro vai crescer e é um ser humano diferente de nós, não importa a partir de quando. Se bate o coração, se já se lhe vêm as pernas, os braços ou o rosto. É um feto!
- E então?
- Então, precisamente por isso, porque sou a favor da vida, sou a favor da despenalização do aborto, ainda que eu nunca tenha feito, nem tenciono fazer nenhum!
- Hum... e isso não é contraditório?
- Não. Para lutar pela vida, nós precisamos de números oficiais, saber quem é que faz abortos, onde e, sobretudo, o porquê. Um "descuido", uma gravidez não desejada, sei lá. Mas, agora, se vamos despenalizar, é preciso fazer o acompanhamento legal de uma mulher que repita um aborto. Porque é que repete? O que aconteceu? É preciso também acompanhamento psicológico, legal e de saúde. É preciso que os miúdos comecem cedo a saber o que é a contracepção. É preciso que usem o preservativo! Não queremos gravidezes não desejadas? Então, é preciso acompanhamento logo desde tenra idade, nas crianças e nos jovens. Acompanhar, ensinar sobre a sexualidade sadia.
- Explicou isso ao seu filho?
- Falámos sobre isso e ele disse que gostava de falar com um psicólogo, porque "com a mãe não se fala dessas coisas".
- E levou-o ao psicólogo?
- Claro. E ele adorou. Fez duas sessões, tirou as dúvidas que tinha e acho que ele até ficou melhor no relacionamento connosco lá em casa.
- E acha que todas as pessoas têm hipótese de pagar a um psicólogo?
- Então, eu investiguei e há consultas gratuitas de planeamento familiar. Caramba! É só termos essa consciência!
- Então e era sobre isso que queria falar hoje?
- Era. Sabe que tenho colegas e amigas que já fizeram abortos. Uma delas fez sete, dentro do casamento; outra fez quinze! Também dentro do casamento! Acredita nisto? Fiquei parva!!
- ... também estou meia aparavalhada, confesso!!!
- Então e estas mulheres não precisava de acompanhamento? Não precisavam?
- Precisavam.

maquiavélica

Isabel era uma mulher desconfiada.
Memórias de infância, inseguranças, tornaram-na uma pessoa defensiva, sempre à espera de um eventual "ataque"; então com os homens, era completamente maquiavélica. Apaixonada, romântica, bastava uma pequena atitude por parte do parceiro, para a desconfiança crescer desmesuradamente.
Não sabendo com o que contar, Isabel vigiava o parceiro cuidadosamente, pormenorizadamente.
Nem sequer sabia o que procurar, o que investigar.
Mas contava-lhe tudo. Se desconfiava, questionava-o sobre a questão. Acabava por perder a dose de maquiavelismo, em troca de uma última esperança de confiança. E a resposta de Vítor era habitualmente lógica, bem fundamentada. Não havia razões para desconfiar.

Pior Isabel se sentia. E ela dizia a Vítor:
- Desculpa. A desconfiança é minha. Sou eu que tenho de lidar com ela, com o desconforto, com a angústia e ansiedade da suspeita.
Vítor desculpava sempre. Quem sabe... até um dia.

Conversa de café

Elas conversavam ao meu lado, no café.

- Os homens não gostam de fazer amor - dizia a mais velha - Não gostam de sexo.
A mais nova, calada, ouvia.
- Não gostam de todo o processo, não o apreciam. No fundo, não gostam de sexo.
A outra continuava calada.
- Os orientais vão muito mais à frente , neste percurso.

Saíu-lhe um "ai sim?"
- Sim. Quantos homens conheces que sintam mesmo prazer em todo o processo de uma relação sexual? Quantos sabem apreciar um simples toque? Sabes, é aquela história de sempre: muitos estão sempre a pensar em sexo e são activíssimos. É para descarregar energia. Outros, são passivos e só se lembram de "fazer amor", quando acham que é preciso "despejar" um bocado de esperma, porque demasiado esperma incomoda nos testículos.

A mais nova estava desconfortável. Mas ficou ali a ouvir a mais velha falar.

- E então? Que fazemos? - perguntou.
- Eles precisam da deusa, da mulher activa que lhes ensine os caminhos do prazer que leva ao sexo. Todo o caminho, do toque, da emoção, do dar.

- Ó caramba - disse a mais nova, espontânea - e logo eu que sou mais passiva e gosto de homens activos, para colmatar esta "falha". E se me calha um passivo como eu?
- ...
- Mas então, não pode ser só a mulher a dar! Certo? - voltou a perguntar.
- Claro que não. É uma troca, de dar e receber. Um, ao dar prazer ao outro, recebe esse mesmo prazer de volta.

Esteve ali um bocado a ouvir sugestões, conselhos.
Saíu-lhe "estou farta; não quero isso pra mim".
- Ah pronto! Então é bom ponderares bem, porque um relacionamento assim, se é o que tu tens, pode não funcionar...

A mais nova calou-se outra vez. Calaram-se as duas.

Eu continuei a ler o jornal.

Elsa e os homens

Elsa, mulher atraente.
- Ah, mas não me acho nada atraente!
- Não? Mas você é! Quantos namorados teve?
- Não dá para contar. Tive tantos!
- E relacionamentos estáveis?
- Todos esses namorados foram relacionamentos estáveis, não foram one night stands!
- Então?
- Então... não sei. Apaixono-me, desapaixono-me. E assim sucessivamente toda a vida, desde que me lembro!
- Está a ver como é atraente? Senão, não tinha tantos namorados.
- ... não sei... atraente não me sinto. Sou simpática, acho!
- Ah, está bem! E eles depois acabaram o relacionamento consigo?
- Não. Ao contrário. Eu é que tenho acabado com os relacionamentos.
- Porque...
- Porque me desapaixono, ou porque não era amor à séria. Não sei. Não sei mesmo. Acho que não estou ainda em fase de ter um homem para toda a vida.
- Não me parece mal...
- Parece à minha mãe e a mim também parece. Ela diz, com orgulho, "eu sou mulher de um homem só" e a porra é que eu não sou.
- E? Qual é o problema se você não é uma mulher de um homem só?
- Sinto-me suja, nojenta!
- Acha que devia ser como a sua mãe?
- Talvez.
- E sexo?
- ... sexo... tive um ou dois bons parceiros sexuais. No resto dos relacionamentos, não funcionava bem. Eu acabava por perder o interesse por eles, sexualmente. E tudo o resto ia à vida.
- E o que sente em relação a isso?
- Sinto-me uma mulher que quer ser tomada por um homem que me conduza, que não seja inseguro! Não sou propriamente uma mulher inexperiente. Sei que quero um homem que me leve, que me tome, que me faça querer, que me mantenha apaixonada, sempre.
- E acha que há homens assim?
- ... não sei... porra... não sei nada.
- Você está deprimida?
- Acho que não. Estou decepcionada e triste.
- E apaixonada, está?
- Não.